Interdito-gorila

Interdito-gorilaA greve é direito fundamental, previsto nos artigos 9º e 37, VII, da Constituição brasileira. Por meio dele, os trabalhadores lutam pela manutenção ou melhoria das condições de trabalho. O interdito proibitório é ação possessória, prevista no artigo 932 do Código de Processo Civil, do possuidor que tenha justo receio de ser molestado em sua posse, assegurando-o contra turbação ou esbulho, por meio de mandado proibitório.

Existe alguma relação entre um direito fundamental dos trabalhadores e uma medida para proteger o possuidor em sua posse?

Independentemente da resposta, é fato que interditos proibitórios são concedidos, com frequência, para afastar o movimento grevista do local de trabalho. A mudança da competência para julgamento dessas ações da Justiça Comum para a Justiça do Trabalho, com a EC 45/2004, em nada alterou esse quadro.

A greve, de prática considerada delituosa, foi, posteriormente, tolerada para, finalmente, ser reconhecida como direito. Apesar disso, não são poucos os casos em que a greve é cerceada, como se delito fosse e não instrumento legítimo de ação dos trabalhadores.

Nas medidas restritivas, geralmente o Estado se faz presente. Trata-se de uma contradição, pois ele está duplamente vinculado ao direito fundamental de greve. O Estado não pode obstruir a deflagração e o curso regular do movimento. Por outro lado, deve adotar todas as medidas necessárias ao exercício satisfatório do direito, removendo os possíveis obstáculos que impeçam a produção de seus efeitos. Já a eficácia horizontal do direito de greve é mais branda, ao vincular os empregadores apenas no aspecto negativo, considerando que não estão obrigados a adotar providências para promover instrumento que se voltará contra eles próprios.

A concessão do mandado proibitório em caso de greve privilegia o patrimônio do empregador em detrimento do caráter fundamental do direito de greve, abalando todo o alicerce de proteção ao trabalho.

Essa valorização da propriedade, passando a figurar no mesmo patamar da liberdade, como bem detectou Ferrajoli, é herdeira do período liberal. Para superar os problemas daí resultantes, o jurista italiano propõe diferenciar direitos fundamentais de direitos patrimoniais.

Os primeiros são inclusivos e a base da igualdade jurídica, na medida em que são universais e indisponíveis. Os segundos são disponíveis e excludentes e a base da desigualdade jurídica. Esclarece que, quando faz referência a direitos patrimoniais, não trata do direito de converter-se em proprietário ou de dispor dos bens da propriedade, que são fundamentais como os direitos de liberdade, mas os direitos reais sobre os bens adquiridos ou alienados.

Em outras palavras, a utilização do interdito proibitório em caso de greve subverte a ordem constitucional de valores.

Além disso, o mandado proibitório é a medida menos recomendável em caso de greve, pois afasta qualquer possibilidade de diálogo no momento de tensão, acirrando os ânimos. Por óbvio, os trabalhadores não podem ser considerados “invasores” em relação ao local de trabalho, pois são necessários à dinâmica empresarial e isso não se altera em razão da deflagração da greve.

O tema do interdito proibitório foi levado ao Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho por centrais e entidades sindicais representantes de trabalhadores bancários de nosso país, que concluiu pela necessidade de se respeitar os princípios em matéria de realização de piquetes de greve (Caso 2792. Informe definitivo nº 363, de março de 2012).

A difusão da ideia desvirtuada de ordem pública, utilizada contra o conflito coletivo de trabalho, individualiza e esvazia a ação dos atores sociais. Por meio dela, alimenta-se uma espécie de aversão ao conflito coletivo e intolerância às reivindicações e protestos realizados por grupos organizados, culminando na criminalização do movimento social e sindical.

É necessário reverter essa lógica. Se hoje atingimos a democracia, é graças a seu percurso de lutas e conquistas históricas, em que a greve desempenhou papel essencial para se chegar ao atual estágio.

Ricardo José Macedo de Britto Pereira
Procurador regional do Trabalho, doutor em direito, pesquisador vinculado ao programa de pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília

Fonte: Caderno Direito & Justiça – Correio Braziliense

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