Uma transformação importante ocorreu na carteira de crédito dos principais bancos brasileiros nos últimos trimestres, livrando-os da obrigação de constituir R$ 4,18 bilhões em provisões para inadimplência, conforme estimativa feita pelo Valor.

Se até março do ano passado 27% dos empréstimos concedidos por Banco do Brasil, Itaú e Caixa Econômica Federal eram classificados como AA, a melhor nota de crédito, com risco zero de perda, ao fim de junho esse índice saltou para 51%. Isso significa que da carteira de R$ 1,62 trilhão desses três bancos, R$ 826 bilhões não devem gerar nenhum prejuízo.

O Bradesco também fez reclassificações que lhe pouparam provisões, mas nas notas intermediárias da escala de rating prevista na resolução 2.682 do Banco Central. O Santander não revisou as notas.

As mudanças começaram no segundo trimestre de 2013, mesmo período em que o grupo de Eike Batista foi à lona e exigiu que os dois bancos privados constituíssem provisões adicionais nas carteiras de grandes empresas.

O Itaú informou sobre a mudança no material apresentado aos investidores na época e o efeito positivo foi estimado em R$ 150 milhões na ocasião. O argumento do banco foi o de que as garantias das operações foram checadas e verificou-se que elas superavam o saldo devedor dos empréstimos. Ou seja, mesmo que houvesse inadimplência, o banco não perderia.

No segundo trimestre deste ano, o Itaú aplicou o mesmo critério na carteira de crédito internacional para grandes empresas, e houve ganho de R$ 80 milhões. Entre março do ano passado e junho deste ano, a carteira AA do Itaú saltou de 36% para 51% do total.

Também no segundo trimestre de 2013, o Bradesco fez mudança nas classificações, que lhe liberou provisões – em valor não revelado – com redução dos empréstimos classificados com C e AA, e aumento das carteiras A e B.

Três meses depois, o BB fez ajuste por motivo semelhante ao do Itaú, com sua carteira com risco zero tendo subido de 33% para 54% do total entre junho e setembro do ano passado (agora está em 56%). Na época, o banco informou aos investidores que o efeito positivo antes de impostos foi de R$ 695 milhões.

Agora neste ano, foi a vez de a Caixa revisar a carteira. Os empréstimos AA subiram de 11% do total em dezembro para 28% em março e deram novo salto para 34% em junho.

As regras do BC exigem que os bancos façam provisões para inadimplência a partir da combinação entre percepção de risco do cliente e o número de dias de atraso das operações. A escala começa em AA, com provisão zero, e vai até H, quando 100% do valor do empréstimo deve ser reservado.

Quando as operações estão vencidas, o banco não tem como melhorar a nota. Mas dentro da carteira considerada de boa qualidade, que é aquela que fica entre os ratings AA e C, os bancos têm liberdade para melhorar ou reduzir o rating do empréstimo. E é aí que ocorre a reclassificação.

O Valor fez uma simulação para estimar o impacto total das mudanças. Se as carteiras de crédito dos quatro bancos tivessem hoje a mesma distribuição de risco de março do ano passado, antes do início das reclassificações, a provisão mínima requerida para as operações classificadas de AA a C seria de R$ 14,06 bilhões. Na prática, a soma das provisões requeridas para essas carteiras está hoje em R$ 9,87 bilhões, resultando na diferença de R$ 4,18 bilhões.

O maior efeito positivo teria sido para a Caixa, com R$ 1,85 bilhão a menos de provisão requerida, sendo seguida pelo BB, com R$ 1,39 bilhão, Itaú, com R$ 614 milhões, e Bradesco, com R$ 319 milhões.

O impacto é maior nos bancos públicos porque eles migraram mais operações das carteiras B e C, que exigem reserva de 1% e 3%, respectivamente, enquanto o Itaú reduziu essencialmente empréstimos que já tinham nota A, que exige apenas 0,5% de provisão.

Mas cabe lembrar que os bancos podem voluntariamente constituir provisões excedentes às exigidas pelo BC. Assim, em vez de haver apenas os R$ 9,87 bilhões para cobrir as perdas, a provisão existente hoje para a carteira boa dos quatro bancos é de R$ 12,43 bilhões.

Nos dois bancos privados, a reserva excedente alocada para as carteiras de AA a C mais do que compensa o ganho com as reclassificações. No BB, o impacto líquido teria sido uma liberação de R$ 992 milhões em provisões, conforme o exercício. Na Caixa, que não tem reserva excedente, o benefício seria integral, de R$ 1,85 bilhão.

Os valores calculados são maiores do que os divulgados pelos bancos originalmente porque novos empréstimos foram gerados desde as reclassificações, já conforme o novo perfil de risco. O exercício também ignora a melhora no perfil da carteira, que ocorreu, mas não explica toda a mudança.

Fonte: Valor Econômico / Fernando Torres

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