A Suíça quer sepultar de vez a imagem de que seus bancos lavam mais branco. Uma lei inédita no mundo entra em vigor no dia 1º de fevereiro com o objetivo de ajudar os países pobres a receber de volta dinheiro desviado por políticos corruptos que foram depositados em bancos suíços.

O primeiro país beneficiado pela nova legislação é o Haiti. O país receberá US$ 5,7 milhões que pertencem ao ex-ditador Jean-Claude Duvalier e estão nos bancos suíços desde 1986. "Baby Doc", como era conhecido, viveu 25 anos exilado em Paris (leia texto nesta página) e ofereceu doar o dinheiro bloqueado na Suíça assim que o terremoto que completou um ano devastou aquele país.

As autoridades suíças recusaram a oferta. Alegam que o dinheiro não pertence à família Duvalier, mas sim à população do Haiti, de quem os recursos foram desviados.

A Suíça quer limpar seus bancos de dinheiro sujo por uma estratégia de sobrevivência -a Comunidade Europeia não aceita mais a antiga liberalidade dos bancos suíços nem a clientela quer saber de dinheiro de corrupto ou de traficante no mesmo banco em que ela tem conta.

Os bancos suíços têm hoje depósitos que somam cerca de US$ 3 trilhões (o dobro da riqueza produzida no Brasil em um ano) e recebem um terço das fortunas que são depositadas fora do país de quem a detém.

Devolver dinheiro de ditadores corruptos não é uma novidade na Suíça.
Desde 1986, quando Ferdinando Marcos deixou o poder nas Filipinas após uma ditadura de 21 anos, o país tenta se livrar da pecha de porto seguro para dinheiro sujo de políticos. No caso de Marcos, um processo que durou 17 anos terminou com a devolução de US$ 684 milhões às Filipinas em 2003.

As Filipinas puxaram lista de países que hoje inclui Nigéria, Angola, Peru e Cazaquistão. A Nigéria é o número um da lista em volume de dinheiro: recebeu US$ 700 milhões de volta da Suíça, dos cerca de US$ 4 bilhões que foram saqueados pelo general Sani Abacha, considerado um cleptomaníaco mesmo entre ditadores africanos. Abacha retirava valores do Banco Central da Nigéria em carros-fortes, enchia um avião e enviava-o à Suíça.

O total de recursos desviados que voltou ao país de origem já alcança US$ 1,7 bilhão -a Suíça é o país que mais devolveu dinheiro, segundo o Banco Mundial.

O Haiti será o primeiro beneficiado por uma razão humanitária: o país não tem um Ministério da Justiça operante nem condições de contratar um escritório na Suíça para acompanhar o processo.

A nova lei visa esse tipo de país -os "falidos", termo que o Banco Mundial aplica a 17 nações pobres. A lei será usada também para os casos em que o dono do dinheiro sujo na Suíça tem força política em seu país para que a remessa não seja investigada.

Uma figura jurídica relativamente nova foi usada para facilitar a volta do dinheiro. É a chamada inversão do ônus da prova. Quem tem de provar que o dinheiro tem origem legal é o político investigado, e não a Suíça.

Recursos de brasileiros são congelados

Políticos e funcionários públicos brasileiros acusados de envolvimento em corrupção são velhos conhecidos das autoridades da Suíça.

Estão nessa lista o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto e Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo que é investigado sob suspeita de ter recebido propina da empresa francesa Alstom.

Santos Neto tem cerca de R$ 7 milhões bloqueados naquele país -ele alega que o dinheiro é fruto de uma herança que não declarou à Receita Federal, argumento que não foi aceito pelas autoridades suíças.

O Ministério Público acusa Maluf de ter movimentado US$ 446 milhões em bancos suíços, recursos que teriam sido desviados da Prefeitura de São Paulo.

A maior parte dos recursos foram depois remetidos para as ilhas Jersey, paraíso fiscal situado no canal da Mancha, entre a França e o Reino Unido.

Mas há dinheiro de Maluf em contas de bancos na Suíça, segundo vários promotores ouvidos pela Folha. Tanto Maluf quanto Marinho negam com veemência ter dinheiro fora do Brasil.

As autoridades da Suíça bloqueiam dinheiro de políticos sempre que há a suspeita de que se trata de recursos públicos desviados.

Fonte: Folha de S.Paulo

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