Na reunião de cúpula do G-20 em Toronto, neste fim de semana, o Brasil vai se colocar contra a taxação dos fluxos de capitais internacionais, proposta por países europeus como uma forma de desestimular movimentos especulativos. Na avaliação do governo brasileiro, a taxação só servirá para aumentar os custos de financiamento e puniria países que não foram responsáveis pela crise financeira internacional.

Com o apoio dos EUA, o Brasil defenderá também em Toronto que as economias, especialmente da zona do euro, priorizem neste momento a retomada do crescimento, em vez da adoção de medidas de arrocho fiscal. A preocupação, nesse caso, é que os países europeus, que juntos têm o maior Produto Interno Bruto (PIB) do planeta, abortem o processo de recuperação da economia global.

Brasileiros e americanos não são favoráveis ao relaxamento na área fiscal, mas temem a concentração desse esforço neste momento. "Uma ênfase excessiva em medidas fiscais no curto prazo pode ameaçar a recuperação", alega um assessor graduado do governo. Os países emergentes, mesmo crescendo a taxas aceleradas, ainda não têm escala para substituir a Europa. Segundo a avaliação brasileira, medidas excessivas de controle fiscal, além de impedir a retomada do crescimento, podem agravar a própria situação fiscal no médio prazo. A Europa tem visão oposta e está preocupada com o impacto da deterioração fiscal da região nos mercados financeiros.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defenderá, também, que as medidas de regulação e supervisão bancária, discutidas em encontros anteriores do G-20, não sejam relaxadas, como vêm propondo entidades como o Institute of International Finance (IIF), que representa os bancos internacionais. Num estudo divulgado este mês, o IIF estimou que a implantação de medidas prudenciais mais duras, como o aumento da exigência de capital e de liquidez dos bancos, terá impactos negativos sobre a economia nos próximos quatro anos.

Para o IIF, o aumento da regulação subtrairá US$ 2 trilhões do G-3 (zona do euro, Japão e EUA) entre 2011 e 2015. O compromisso dos membros do G-20 é implementar novos requerimentos de capitais até o fim de 2012. A posição brasileira nesse caso é confortável. Enquanto o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) sugere 8%, o Brasil exige dos seus bancos 11% de capital sobre o patrimônio de referência.

"O Brasil defende uma posição mais pró-ativa e não compra a ideia do IIF", assegurou uma fonte. "A situação de crise na Europa agora decorre da desconfiança na saúde do sistema financeiro", disse uma autoridade brasileira, justificando a defesa de uma postura mais prudente nessa questão.

Quanto à reforma das instituições multilaterais de crédito, o Brasil insistirá na reafirmação do compromisso de revisão do poder de voto no Fundo Monetário Internacional (FMI). No caso do Banco Mundial, a reforma, como sugeriu o G-20, avançou na reunião do primeiro semestre. Os países ricos ficaram com 53% do poder de votos; os pobres e emergentes, com 47%.

A mudança no caso do FMI deve ser feita até a próxima reunião de cúpula do G-20, agendada para novembro, na Coreia do Sul. O plano é que 5% do poder de voto dos ricos seja redistribuído entre pobres e emergentes, de forma que, no fim do ano, o bolo esteja dividido, respectivamente, da seguinte forma: 55,5% e 44,5%. O Brasil vai cobrar o compromisso porque a resistência à mudança, apesar dos avanços recentes, ainda é grande.

No debate sobre a taxação de fluxos de capitais, o presidente Lula já a defendeu no passado, assim como a criação de imposto global sobre a venda de armas. Agora, o Brasil é contra a medida. Em Toronto, a oposição está sendo liderada pelo Canadá e tem também o apoio dos Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) e da Austrália. Para esses países, muito dependentes do fluxo de capitais para financiar o balanço de pagamentos, a taxação encareceria o custo de capital.

Nos EUA, o Congresso debate a criação de uma taxa, de 0,15% sobre as transações financeiras, para recuperar, em dez anos, o que o Tesouro americano despejou no sistema financeiro para salvar bancos falidos e combater a crise. Já a Alemanha quer taxar as operações na Europa e, com os recursos, criar um fundo anticrise.

O Brasil também rejeita a taxa internacional sobre bancos com o argumento de que o país já tem regras de controle bancário mais rígidas que os EUA e os países europeus, como exigências de reservas e restrições a operações de derivativos. Se a questão é "equilibrar o jogo", como argumentam os governos de nações desenvolvidas, seria necessário, primeiro, trazer as regras de supervisão bancária ao nível das brasileiras.

As negociações de Toronto começaram na tarde de quarta-feira e devem se estender até a tarde de sábado, antes do jantar dos chefes de Estado e governo na cidade canadense. Os negociadores brasileiros insistiram, contra a posição dos EUA, em incluir na declaração final do G-20 um apelo à retomada da rodada Doha de liberalização comercial. Por pressão americana, a menção a Doha, na declaração, deve ser vaga.

O assunto será levado, no entanto, como um dos principais das conversas entre os líderes do G-20 – o que deixa o Brasil na curiosa situação de pregar liberalismo comercial para os países ricos. Este foi um dos poucos pontos em que as posições divergentes criaram forte discussão entre os negociadores; na maior parte dos temas, os representantes dos países já foram a Toronto preparados para encontrar um texto capaz de conciliar as posições antagônicas.

Fonte: Valor Econômico /  Cristiano Romero

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