Crédito: CUT
CUT João Felício
Secretário de Relações Internacionais da CUT

A CUT da minha época teve como uma das suas principais características as grandes mobilizações de massa contra o projeto neoliberal. Sem titubear, buscamos a unidade da CUT contra esse projeto político antagônico aos interesses do Brasil e do povo brasileiro. Desta forma nossas ações tinham como objetivo central a disputa com aqueles responsáveis pela implantação desse projeto: os tucanos, representados por Fernando Henrique Cardoso, com apoio dos empresários e da imprensa.

Foi isso o que nos permitiu derrotar a tentativa do governo FHC de rasgar o artigo 618 da CLT que retirava direitos, legitimando a precarização. Este projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, com enorme desgaste para os parlamentares, ficando parado no Senado, sendo engavetado após a vitória de Lula.

Conforme a própria imprensa da época reconheceu, a mobilização que fizemos colocou mais de um milhão de trabalhadores nas ruas do país. A CUT, praticamente sozinha, organizou a luta e foi vitoriosa. A luta contra as privatizações, como a Marcha do Apagão, conformou um importante pólo de organização e articulação da resistência à política de desmonte do Estado em nosso país.

Naquele período foi colocada a necessidade da unidade de todos os movimentos sociais do mundo para enfrentar governos e organismos internacionais que tinham como guia as diretrizes do Consenso de Washington e a criminalização do protesto. Foi com este objetivo que juntamente com centenas de entidades populares do Brasil e do mundo, criamos o Fórum Social Mundial em janeiro de 2001, em Porto Alegre.

Também iniciamos um processo de unidade das categorias profissionais nas campanhas salariais evitando a fragmentação e buscando a luta da classe trabalhadora.

O envolvimento na eleição do presidente Lula, quando pela primeira vez optamos pelo apoio formal à sua candidatura, sem perder nossa autonomia, também representou um marco no período, decisão que comprovou sua correção não só para deter o projeto neoliberal, como para construir novas relações de poder em nossa sociedade.

A construção da Frente Nacional de Luta por Terra, Trabalho e Cidadania durante o governo FHC deu maior protagonismo aos movimentos sociais e também colocou em novo patamar a participação do sindicalismo com uma agenda de reivindicações que extrapolava os direitos sociais e trabalhistas. Esta lógica de unidade e mobilização foi a que deu origem à Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) já no governo Lula.

Foi um período de profundas contradições na sociedade brasileira, marcado pelo desprezo dos governantes às organizações sociais, muitas greves e resistência ao arrocho e ao desemprego, em que a CUT soube organizar a sua base de representação e construir a unidade da esquerda para fazer frente a essa política.

Apenas relatei as ações gerais, que ganharam destaque sem relatar todas as ações que foram desenvolvidas pela nossa Central Sindical naquele período.

A CUT de hoje tem entre suas grandes vitórias a de ter aberto espaços de interlocução e de negociação coletiva para o conjunto da classe trabalhadora. Após a vitória de Lula, nunca deixamos de mobilizar a nossa base, o que resultou em inúmeras greves. Por um erro de avaliação de que o governo Lula fosse um fim em si mesmo, algumas correntes internas da CUT – que pensavam que nossa Central perderia a sua capacidade de mobilização e de representação – acabaram se desligando e rompendo a unidade da esquerda.

É preciso reconhecer que o Brasil atingiu após a eleição de Lula um dos melhores períodos de sua história, em que a CUT teve reconhecida importância. Iniciou-se um processo de negociação permanente com os movimentos sociais, foi constituído o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com a nossa participação, a política de valorização do salário mínimo e o direito à participação em estruturas do Estado antes fechadas às entidades populares. A democratização do Estado, com o protagonismo sindical em conselhos e conferências é resultado da nossa ação coletiva. Sem dúvida tivemos nesses últimos anos a maior distribuição de renda da nossa história, em que parcela expressiva da população brasileira adquiriu cidadania e maiores direitos. Uma das vitórias mais significativas desse período foi o reconhecimento por parte da Organização Internacional do Trabalho – OIT, do governo brasileiro e com o apoio da CUT, de que as empregadas domésticas deveriam gozar dos mesmos direitos dos outros trabalhadores da economia formal.

É preciso destacar também como avanço desse momento a garantia dos royalties do petróleo para a saúde e a educação, a ampliação das vagas nas universidades federais e de recursos para a agricultura familiar, a partir de vários programas como o de aquisição de alimentos – que estabelece a compra deste segmento de, no mínimo, 30% dos alimentos pelas administrações municipais. No que se refere ao campo, é preciso reconhecer que muito ainda há de ser feito, pois a reforma agrária caminha a passos lentos.

A CUT sempre teve uma política bastante ousada no plano internacional, e soube capitalizar a importância que o Brasil adquiriu no cenário externo, ocupando espaços e influenciando na formação política nos mais diversos organismos e entidades, procurando fortalecê-las desde a antiga ORIT até a Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA) e na Confederação Sindical Internacional (CSI). A eleição do dirigente sindical Guy Rider para a direção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem um significado relevante nesta caminhada para um novo patamar na garantia de direitos.

Fundamos o Instituto de Cooperação para organizar melhor no interior da nossa Central as parcerias, estabelecer relações solidárias e contribuir para o crescimento de um sindicalismo de luta, livre, independente e de base.

Entre as prioridades da nossa ação, neste período, continuou sendo o fortalecimento das relações Sul-Sul, através do Sigtur (Iniciativa do Sul frente à Globalização pelos Direitos dos Trabalhadores), com maior expressão na América Latina, na África e junto aos BRICs.

Também avançamos muito na nossa política de formação, na área da comunicação e de organização, implementando propostas que contribuíram para que a CUT respondesse mais rapidamente às necessidades colocadas.

Destacamos a criação de novas secretarias como de Juventude, Combate ao Racismo, Relações de Trabalho e Saúde do Trabalhador pela relevante contribuição que têm prestado ao desenvolvimento político e organizativo da nossa militância.

A CUT sempre foi uma Central Sindical desde a sua origem que sempre soube combinar as lutas imediatas com as lutas históricas, procurando demonstrar que as lutas por melhores condições de vida e de salário são insuficientes na construção de um Brasil democrático e justo. Por isso sempre elaboramos projetos globais e os disputamos na sociedade. Fizemos isto quando elaboramos um projeto de desenvolvimento nacional com distribuição de renda e valorização do trabalho.

Mesmo com os enormes avanços que tivemos nos últimos anos, reconhecemos que é preciso aperfeiçoar ainda mais a nossa Central.

No debate sobre a CUT do futuro é preciso destacar inicialmente as inúmeras deficiências organizativas e políticas ainda existentes. Para que a nossa Central continue tendo na sua agenda a marca da ousadia, é preciso reconhecer que existe uma luta ideológica permanente na sociedade, onde duas classes sociais antagônicas se enfrentam. A conscientização da nossa base social quanto a esse aspecto é fundamental para termos clareza contra quem lutamos e ao lado de quem estamos. Aqui não se trata de promover o ódio de classe, mas de reconhecer que existe uma outra classe que atua sempre buscando avançar sobre nossos direitos.

A história já comprovou que a outra classe nos odeia, ou só declara “amor e carinho” quando precisa da nossa força de trabalho. Este ódio de classe ficou evidenciado após a crise de 2008, quando os ricos ficaram mais ricos e agora somos nós que estamos pagando a conta. Mesmo dentro do Brasil por iniciativa da direita e de deputados comprometidos com o capital, são inúmeros os projetos que se encontram no Congresso Nacional para retirar direitos dos trabalhadores, com destaque para o Projeto de Lei 4330, que aprofunda a terceirização.

Quando defendemos reformas como a tributária, agrária e política, bem como a democratização dos meios de comunicação, a disputa ideológica e de classe ganha relevo que aponta para a necessidade de grandes mobilizações e enfrentamentos. Com certeza a outra classe sobre todas estas reformas apresentarão conteúdos diferentes. É insuficiente considerar que a eleição de um governo do campo democrático-popular, sujeito a inúmeras pressões do capital, seria o bastante para garantir os avanços necessários ao desenvolvimento com justiça social.

Também a luta pela liberdade e a autonomia sindical não deve estar descolada de uma análise precisa sobre a realidade brasileira onde as relações de trabalho são profundamente autoritárias. São inúmeros os exemplos de prática antissindical, perseguição a sindicalistas e de ausência de negociação coletiva. Muitas vezes para um trabalhador ser dispensado, basta que se filie a um sindicato.

Há um ataque permanente às organizações sindicais e um profundo preconceito da elite brasileira – alimentado cotidianamente pela mídia – em relação a qualquer entidade popular. Raramente se encontra uma matéria simpática ao movimento sindical, exceção que confirma a regra, comprovando o ódio de classe, especialmente quando a entidade é do campo da esquerda.

A CUT deve continuar na sua campanha pela liberdade e autonomia sindical, isto é, pela regulamentação da Convenção 87 da OIT. No entanto, para que isso ocorra, é preciso criar uma legislação protetora do mundo do trabalho e aprimorar a fiscalização para coibir ações antissindicais, com pesadíssimas multas ao capital quando recorre a esse expediente. É forçoso reconhecer que a substituição pura e simples do atual modelo por outro sem as garantias citadas seria muito pior, pois transformaria o movimento sindical brasileiro em presa fácil do capital.

Não queremos ver implantado nesse país modelos fracassados como os vigentes nos Estados Unidos ou Japão. No país oriental, a liberdade e autonomia redundaram em um sindicalismo por empresa que fragiliza a necessária independência frente ao capital. E nos EUA, a maioria dos trabalhadores não tem sequer quem os represente, pois para fundar um Sindicato é preciso haver o apoio de 50% mais um dos trabalhadores da mesma empresa, o que tem se demonstrado praticamente impossível pelas ações antissindicais promovidas pelos patrões. O recente caso da multinacional Nissan no estado do Mississipi é um exemplo que fala por si, onde até o governador foi fazer discurso para conclamar os trabalhadores a abrirem mão da representação sindical. No Brasil, bem ou mal, a lei obriga os patrões e os governos a reconhecerem o Sindicato, por menor que ele seja. Não acredito que o fim da unicidade e do imposto sindical sejam a varinha de condão capaz de resolver num passe de mágica a questão da representatividade – e da combatividade – das entidades. Um país como o nosso precisa de legislação protetora do trabalho – e da representação sindical – frente aos interesses do capital ou de governos. Não sou ingênuo o suficiente para considerar que um projeto de lei propondo liberdade e autonomia, com o fim do imposto e da unicidade – enviado ao Congresso Nacional, com maioria patronal – possa fortalecer o movimento sindical dos trabalhadores.

Na atual correlação de forças, o mais provável seria que acabassem com a unicidade e o imposto – sem qualquer contrapartida legal que assegurasse a representação e a arrecadação – e os mantivessem tão somente para as entidades patronais. Os sindicatos dos trabalhadores se transformariam rapidamente em “ventríloquos dos empresários”, sem força e capacidade de resistência.

A CUT do futuro deve continuar praticando um sindicalismo combativo e de conquistas, que luta para ampliar direitos e jamais admitir retrocessos. Qual seria a organização necessária para esse novo momento? Naturalmente, esta organização precisa estar à altura dos desafios colocados pela conjuntura, o que reforça a necessidade de uma atuação cada vez mais vinculada à base: conscientizadora, organizadora e mobilizadora. Temos a convicção de que é a luta que determina a organização e não o contrário. Propostas mirabolantes desvinculadas da luta concreta tendem sempre a fracassar. O melhor exemplo desta afirmação foi o sindicato orgânico. Já está provado que a atual estrutura organizativa da CUT precisa sofrer modificações, especialmente no que se refere à constituição dos atuais Ramos e a relação da CUT com seus sindicatos filiados. As propostas que foram apresentadas ainda não conseguiram resolver os gravíssimos problemas existentes. É preciso também rediscutir urgentemente a relação da CUT Nacional com as Estaduais, tanto no aspecto financeiro quanto político. Para o êxito desta construção coletiva, é necessário a implantação de uma política de visitação constante, com acompanhamento dos Estados e Ramos por parte de todos os membros da Executiva Nacional.

Aumentar o poder e a representatividade do movimento sindical tem ganho destaque no mundo todo devido a baixíssima representação do movimento sindical internacional, que alcança apenas 15% dos trabalhadores. Enfrentar este problema deve ser a prioridade número um da nossa Central. Há também neste caso uma disputa com o capital, que procura fomentar e exacerbar o individualismo na sociedade, aniquilando a importância e o significado da luta coletiva.

Investir na sindicalização, somando novos atores sociais, significa colocar a ação coletiva num novo patamar. O trabalhador irá se sindicalizar à medida em que sentir que a entidade sindical que o representa for realmente de luta, que esteja realmente defendendo seus interesses com sua participação, conquistando direitos e que seus dirigentes sejam profundamente honestos, éticos e combativos.

É preciso ainda que a CUT do futuro invista e valorize ainda mais o trabalho da juventude e das mulheres, abrace a luta pela melhoria dos serviços públicos, particularmente de saúde, educação e transporte, e amplifique e qualifique a luta coletiva dentro de um mundo do trabalho cada vez mais atomizado pelas empresas.

Tendo a ousadia como marca, é preciso que convençamos nossa base da necessidade de reformas que tornem mais pujante e representativo o movimento sindical, que incorporem novas lideranças, rompendo com o imobilismo e o burocratismo. Reformas que dialoguem com a oxigenação das entidades, ampliando os canais de consulta e participação da base, que estimulem permanentemente o seu pleno – e imprescindível – envolvimento nas decisões. Tais medidas devem mexer nas estruturas organizativas, dinamizando a democracia interna e fortalecendo as próprias estruturas de financiamento das entidades.

Se o capital busca aprofundar a atomização do mundo do trabalho como foi dito, precisamos encontrar soluções organizativas para continuar representando adequadamente os trabalhadores nesse novo contexto. A migração e a economia informal são temas que devem continuar merecendo atenção especial da nossa Central, implementando campanhas e procurando organizar os trabalhadores destes dois segmentos no interior da CUT.

A organização sindical precisa estar atenta ao conjunto das demandas que afligem o trabalhador na sociedade, como saúde, educação, moradia e mobilidade urbana, incorporando-as com conteúdo de classe. Muitas vezes o conservadorismo da ação sindical acaba negligenciando questões extremamente importantes na vida do trabalhador e de suas famílias. Por isso considero que a CUT deveria encampar uma grande campanha nacional pela melhoria da qualidade do ensino e da saúde (como propõe a CNTE e a CNTSS), bem como ser extremamente ousada na luta por moradia e mobilidade urbana.

São inegáveis os avanços e conquistas obtidos pela CUT na defesa das mulheres, da juventude, dos afrodescendentes, LGBT e das pessoas com deficiência, e a defesa que estamos fazendo da causa indígena. São questões profundamente humanitárias, de justiça social e que muito contribuirão para a constituição de uma sociedade justa e includente.

A formação sindical e política do trabalhador também deve continuar tendo destaque nas ações da nossa Central, tendo como diretriz o Plano Nacional de Formação. Além das outras previstas neste plano, considero que uma das suas ações relevantes é o curso de Política e Sindicalismo Internacionais, realizado conjuntamente pela SRI e pela SNF, tão bem avaliado pelos participantes.

Na minha percepção, a CUT do futuro deve continuar tendo as suas instâncias de decisão cada vez mais fortalecidas como único canal possível para a construção coletiva. As decisões dessas instâncias devem ser abraçadas por todos os dirigentes que tem a responsabilidade de construí-las na base da Central, pois a participação dela não se dá de forma espontânea. O dirigente deverá ser sempre um agente estimulante, de que a luta sempre vale a pena.

Reafirmo novamente que a CUT deve continuar disputando projetos globais na sociedade, inclusive apoiando candidaturas que representem melhor este projeto e a nossa visão de mundo, sem que isso signifique partidarizar a entidade ou retirar sua indispensável autonomia. Nunca podemos esquecer que entidades patronais e a imprensa que os representa também fazem disputas de projetos.

Finalmente, é preciso fazer sempre um resgate histórico do percurso percorrido, do quanto de luta está presente em cada conquista da classe trabalhadora. A plena e profunda interiorização do significado desta luta comum projetará mais longe a nossa ação presente, com a construção de um Brasil solidário e com mais justiça social.

Fonte: CUT

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