No dia 9 de novembro de 2010, um helicóptero decolava do alto do prédio localizado no número 2.240 da Avenida Paulista com R$ 10 milhões em dinheiro na bagagem. A quantia foi uma das últimas boladas levadas por ex-diretores do Banco PanAmericano antes de deixarem o comando da instituição, naquele mesmo dia. O relato é feito por ex-funcionários do banco, que pertenceu ao empresário e apresentador Silvio Santos até a venda do controle ao BTG Pactual, concretizada nos primeiros dias de fevereiro do ano passado. 

O valor supostamente sacado pelos executivos em seu último dia de suntuosa paz é apenas um décimo do que estima-se que tenha sido desviado do PanAmericano ao longo dos últimos anos. Pelo menos R$ 100 milhões repassados pelo banco aos ex-diretores foram comprovados pela auditoria interna feita pela nova administração.

Desses R$ 100 milhões, a maior parte entrou nos cofres das empresas mantidas pelos antigos executivos. Ao todo, R$ 76,27 milhões foram pagos a 12 ex-diretores do PanAmericano e de outras empresas do Grupo Silvio Santos entre janeiro de 2008 e novembro de 2010, quando foram descobertas as fraudes contábeis que levaram o banco a um rombo de R$ 4,3 bilhões em seu patrimônio (veja quadro ao lado).

Segundo a auditoria interna feita no PanAmericano, no topo da lista dos "mais bem pagos" está o ex-presidente do banco, Rafael Palladino. Por meio de duas de suas empresas – a Max Control Assessoria e Investimentos e a Max Control Evento e Promoção -, Palladino levou pelo menos R$ 19,8 milhões do PanAmericano entre janeiro de 2008 e novembro de 2010.

Em segundo lugar no ranking está Luiz Sebastião Sandoval, que presidia o conselho de administração do banco, com R$ 13,7 milhões recebidos no mesmo período. Wilson Roberto de Aro, o ex-diretor financeiro da instituição, levou R$ 12,8 milhões.

Os R$ 76,27 milhões referem-se, supostamente, ao pagamento de salários e bônus aos executivos, feitos a pessoas jurídicas (veja texto ao lado). No entanto, os contratos de prestação de serviços encontrados pela auditoria interna do PanAmericano – que, em tese, deveriam justificar essas quantias – trazem valores muito menores do que o numerário pago efetivamente aos ex-diretores.

Palladino, por exemplo, tinha contratos assinados entre a PanAmericano Administradora de Cartões de Crédito e suas duas empresas no montante de R$ 78.950,00 mensais cada uma – ou seja, um salário contratado de R$ 157.900,00 ao mês. Em um ano, portanto, deveria receber R$ 1,89 milhão. Na prática, recebeu R$ 6,99 milhões durante o ano de 2008 e R$ 10,69 milhões em 2009. Em 2010, ano em que o Banco Central (BC) descobriu problemas no balanço do banco, recebeu "apenas" R$ 2,19 milhões até novembro.

Já os contratos do PanAmericano com Luiz Sebastião Sandoval e Wilson Roberto de Aro sequer foram encontrados pela nova administração do banco. Mas os executivos certamente estariam entre os mais bem pagos do Brasil, a considerar os valores anuais recebidos por ambos de 2008 em diante. Sandoval recebeu R$ 4,7 milhões em 2008, R$ 7,28 milhões em 2009 e R$ 1,77 milhão em 2010. Aro foi remunerado com R$ 4 milhões em 2008, R$ 7,96 milhões no ano seguinte e R$ 850 mil em 2010.

Os valores recebidos pelo grupo de 12 executivos identificados pela auditoria interna do PanAmericano superam os R$ 76,1 milhões de lucro que o banco apurou no primeiro trimestre do ano passado, quando a nova administração começava a colocar as contas em dia. Mas não foram os únicos recursos recebidos por eles. A auditoria interna apontou saques em espécie que somaram R$ 16 milhões de 2006 a 2010 – valores não incluídos nos repasses feitos às empresas dos executivos.

Nesse ranking, o campeão foi o ex-diretor jurídico do banco, Luiz Augusto Teixeira de Carvalho Bruno. Bruno, conhecido internamente como o "advogado de Palladino", solicitou aos funcionários da contabilidade e da tesouraria do PanAmericano 29 saques de dinheiro ao longo de 2009, conforme apurou a auditoria. Ao todo, levou do caixa do banco o montante de R$ 8,71 milhões apenas naquele ano. Em 2010, levantou metade dessa quantia – R$ 4,41 milhões – dos cofres do banco com 16 saques. Apenas em um dia de 2010 – mais precisamente em 25 de junho – sacou R$ 1,4 milhão em espécie.

Funcionários que entregavam o dinheiro aos executivos afirmaram à Polícia Federal (PF) que a justificativa era a de que os valores se referiam a "adiantamentos". No caso de Bruno, os "adiantamentos" eram levados ao segundo subsolo do prédio e colocados sempre no porta-malas do carro do executivo, conforme relatos de testemunhas à PF.

A "quadrilha" – como vem sendo chamado o grupo de ex-diretores do PanAmericano pelos novos funcionários do banco – teve algumas de suas operações financeiras sob a mira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Muitas delas escaparam aos olhos do órgão, responsável por identificar indícios de lavagem de dinheiro no sistema financeiro, pois a tarefa de informar saques elevados em espécie e operações suspeitas é dos próprios bancos. Testemunhas informaram à PF que os executivos os orientavam a não informar as operações ao Coaf.

Operações realizadas pelos ex-diretores em outros bancos, no entanto, não escaparam da mira do Coaf. Palladino, por exemplo, movimentou R$ 17,5 milhões nas contas de suas empresas no Citibank até março de 2011 – sendo que R$ 15 milhões após a descoberta das fraudes e a troca da diretoria do banco.

Ainda segundo informações do Coaf, que compõem o inquérito aberto pela PF para apurar indícios de fraudes contábeis e crimes contra o sistema financeiro nacional no PanAmericano, Wilson Roberto de Aro recebeu R$ 4,9 milhões em sua conta no Citibank entre 21 de setembro e 17 de dezembro de 2010.

Ao contatar a criminalista Maria Elizabeth Queijo, que atua para o ex-presidente do banco Rafael Palladino, o Valor foi informado de que ela não fala com jornalistas. Procurado pela reportagem, o advogado Luiz Fernando Pacheco, que defende o ex-diretor financeiro Wilson Roberto de Aro, preferiu não se manifestar sobre o caso.

David Teixeira de Azevedo, criminalista contratado pelo ex-diretor jurídico Luiz Augusto Teixeira de Carvalho Bruno, diz que o executivo jamais fez saques em espécie na tesouraria do banco. "Ele não sacou esses valores", afirma. Segundo o advogado, os saques foram feitos em nome de Bruno, mas não há assinatura dele nos registros.

Salários eram pagos via PJ, justificam criminalistas

A justificativa da maioria dos advogados contratados pelos ex-diretores do PanAmericano para explicar os valores recebidos pelas empresas das quais são titulares é a de que as quantias referem-se a salários e bônus devidos pelo banco. De acordo com Flávia Tennenbaum, do escritório Toron, Torihara e Szafir Advogados, que atua para todos os ex-membros do conselho de administração do banco, os repasses feitos às empresas de Luiz Sebastião Sandoval e João Pedro Fassina seguiram normas existentes há mais de dez anos no Grupo Silvio Santos. Essa é a mesma explicação do advogado David Teixeira de Azevedo, contratado pelo ex-diretor jurídico Luiz Augusto Teixeira de Carvalho Bruno.

O advogado Adriano Sallis Vanni, que defende o ex-diretor administrativo e de crédito do PanAmericano Adalberto Savioli, disse ao Valor que durante anos seu cliente foi empregado celetista do banco. "Em 2007 ele recebeu a instrução de que deveria abrir uma empresa para receber seus proventos por ela", conta. "Foi uma determinação da holding." Da mesma forma aconteceu com o ex-diretor comercial Carlos Roberto Vilani, segundo diz seu advogado, Pierpaolo Bottini. "Pediram para ele abrir uma empresa, como acontece em todos os bancos."

Gontran Guanaes Simões, criminalista que defende os executivos José Maria Corsi, Maurício Bonafonte dos Santos e Vilmar Bernardes da Costa, afirma que seus clientes não eram funcionários do PanAmericano, mas de outras empresas do grupo, onde ainda trabalham. Segundo o advogado, apenas Costa teve passagem pelo banco, quando exerceu temporariamente a função de diretor de investimentos. Os três, segundo o advogado, receberam cartas nas quais o presidente do grupo, Guilherme Stoliar, declara que eles nunca receberam qualquer importância que não fosse devida.

O advogado Alberto Nascimento, que atua para o ex-diretor da PanAmericano Cartões de Crédito Antônio Carlos Quintas Carletto, diz que o executivo trabalhou na empresa de 2005 a 2008 e que também recebia pela pessoa jurídica. Segundo ele, como os bônus eram pagos em 20 parcelas, Carletto continuou recebendo após deixar a companhia. Procurado pelo Valor, o advogado André Kehdi, que defende o ex-diretor de tecnologia do PanAmericano, Eduardo Ávila Pinto Coelho, preferiu não se manifestar.

Fonte: Valor Econômico

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