A ambição do grupo Votorantim pela Aracruz Celulose, que a certa altura pareceu destruída pela crise global, ressurgiu ontem na forma de um meganegócio com várias surpresas. O Votorantim anunciou a compra dos 28% que as famílias Lorentzen, Almeida Braga e Moreira Salles possuem na Aracruz, por cerca de R$ 2,7 bilhões.

Isso é o que os Ermírio de Moraes vinham tentando fazer desde o ano passado. Só que, agora, há duas novidades: o Votorantim deve comprar também a participação da família Safra e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)passará a controlar a Aracruz com os Ermírio de Moraes.

O BNDES já é sócio da Aracruz e da VCP (a empresa de celulose e papel da Votorantim), esteve o tempo todo envolvido nas negociações e foi decisivo para fechar a transação. Ele vai emprestar dinheiro ao Votorantim, na forma de compra de debêntures, e vai garantir também a compra de ações que serão oferecidas no mercado pelos Ermírio de Moraes. Ao todo, o BNDES poderá fazer um aporte de até R$ 2,4 bilhões na operação e poderá ficar com 26% da nova empresa, enquanto o Votorantim ficaria com 29%.

Antes dessa operação, o BNDES já tinha, entre empréstimos e participação acionária, cerca de R$ 2 bilhões na Aracruz e na VCP. Como o crédito na praça continua difícil, a operação não teria saído sem a participação do BNDES. As intervenções do banco são sempre acompanhadas com a máxima atenção. Para muitos, a instituição tem interferido de maneira exagerada na vidas das empresas – por isso, provoca polêmica toda vez que se envolve num negócio. "É uma das tarefas do BNDES apoiar a formação de empresas brasileiras eficientes, com atuação global, traduzindo a excelente competitividade que o Brasil tem em vários setores, como o de celulose", disse ao Estado Luciano Coutinho, presidente do banco.

Para sair do jeito que o Votorantim e o BNDES desejam, a família Safra precisa vender seus 28% na Aracruz aos Ermírio de Moraes. Formalmente, os Safra têm 90 dias para dizer se aceitam R$ 2,7 bilhões – nas mesmas condições oferecidas aos outros sócios – para vender suas ações. Pelo acordo em vigor até outubro do ano passado, quando o negócio foi suspenso por causa do agravamento da crise, a família Safra pretendia continuar no controle da Aracruz. Mas executivos envolvidos na negociação dizem que dificilmente eles deixarão de aceitar a oferta. A operação inclui ainda uma oferta pública aos acionistas minoritários.

"Quando o negócio foi suspenso, disseram que tinha acabado, mas nunca paramos de negociar", diz Raul Calfat, principal executivo do grupo Votorantim. "Criamos a maior empresa de celulose do mundo." A companhia resultante da união entre a Aracruz e a VCP, a empresa de papel e celulose do Votorantim, terá 15 mil funcionários, 27% do mercado da América do Norte e 44% do europeu, com faturamento estimado de mais de R$ 7 bilhões para este ano, segundo a Votorantim.

O valor do negócio anunciado ontem, igual ao que estava combinado no ano passado, surpreendeu alguns analistas. Eles esperavam alguma redução, já que a Aracruz perdeu US$ 2,18 bilhões em operações com derivativos cambiais – além da queda de 35% no preço da celulose e da redução da demanda internacionais.

Segundo Pércio de Souza, sócio da Estáter, empresa que assessorou o Votorantim, os valores do acordo já consideram a nova condição da Aracruz. É por isso, segundo ele, que os R$ 2,7 bilhões serão pagos em dois anos e meio e as parcelas não têm reajuste. "E isso, se utilizarmos a curva média de juros dos últimos 15 dias, daria um valor aproximado de R$ 2,35 bilhões", diz o executivo.

Um dos principais obstáculos à concretização do negócio, que vinha sendo costurado há dois anos e esteve para ser fechado em outubro, foi a dívida de US$ 2,13 bilhões da Aracruz com um grupo de 12 bancos. Resultado de operações malsucedidas com derivativos, o débito foi descoberto em setembro e provocou um impasse só resolvido na segunda-feira à noite. A empresa ganhou nove anos para quitar a dívida, com taxa de juros razoável.

Quando o processo estiver completo, a Aracruz vai migrar para o Novo Mercado – divisão da Bolsa de São Paulo em que as normas de transparência são mais rígidas. "A reestruturação entre os sócios permitiu que ela migre para o Novo Mercado, abrindo possibilidades para futuros negócios", disse Souza, da Estáter, referindo-se à venda ou troca de ações com outras empresas.

Fonte: O Estado de São Paulo / David Friedlander