Após serem atingidos por ovos jogados por trabalhadores que bloqueavam a entrada da fábrica de pneus da Continental às margens do rio Oise, diretores da fábrica foram vistos entrando sorrateiramente por uma entrada lateral cujo acesso se dá por barco.

"As pessoas estão perturbadas", afirma Christian Lahargue, um funcionário da Continental que corre o risco de ser demitido. "Vamos fazer de tudo para manter esta fábrica aberta."

Este impasse agressivo no norte da França às vésperas de uma greve nacional sugere que a tensão social está aumentando e contribuindo para a impressão de que o outrora confiante Nicolas Sarkozy, o presidente da França, está perdendo o passo.

A segunda maior economia da zona do Euro deverá enfrentar distúrbios hoje, por causa de uma greve nacional convocada por sindicatos, que deverá contar com centenas de manifestações em protesto contra a política econômica e o programa de reformas de Sarkozy.

Sindicalistas prometeram superar a última greve, feita em janeiro, quando entre 1 milhão e 2,5 milhões de pessoas foram às ruas.

A escala dos protestos de sete semanas atrás pegou o governo de surpresa, forçando-o a oferecer ? 2,6 bilhões (US$ 3,38 bilhões) em pagamentos extras de auxílio-desemprego e corte de impostos para famílias de baixa renda. Mas as concessões não satisfizeram os sindicatos, nem impressionaram a população.

Segundo uma pesquisa de opinião feita pelo instituto Ifop para a revista "Paris Match" , 78% dos franceses consideram a greve de hoje justificada. Os franceses "deram autorização ao movimento sindical para articular sua oposição a Nicolas Sarkozy", afirma Stéphane Rozès, presidente-executiva do instituto de pesquisas CSA.

De acordo com outra pesquisa, os franceses acreditam que Olivier Besancenot, o líder trotskista da extrema esquerda, tem tanta "credibilidade" quanto o presidente.

Sarkozy está na defensiva desde o começo do ano, com o agravamento da situação da economia. O governo foi lento em reagir a uma greve geral de seis semanas e a tumultos em Guadalupe, um território francês no Caribe.

O presidente vem encontrando oposição dentro de seu partido de centro-direita em uma série de questões, do retorno da França ao comando militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) à redução da carga tributária para os ricos.

Sarkozy foi forçado a recuar na reforma universitária, uma de suas principais medidas de modernização, em meio a temores de que um movimento de protesto estudantil liderado pela extrema esquerda pudesse se tornar violento. A concessão preocupou alguns empresários. "Os mais radicais estão conseguindo resultados", diz Maurice Lévy, presidente-executivo do grupo de propaganda Publicis.

Sarkozy tem motivo para se sentir ressentido. A economia francesa deverá se sair bem melhor que as de seus vizinhos depois que Sarkozy implementou rapidamente um plano de socorro bancário, garantias de empréstimos para pequenas empresas, seguro de crédito comercial bancado pelo governo e outra medidas para manter o crédito fluindo para a economia.

Ele mobilizou o outrora intervencionista e desdenhoso Estado francês e entendeu a mensagem que estava sendo passada pela população com sua crítica ao capitalismo financeiro.

Mas, ao mesmo tempo em que celebra o retorno do Estado, Sarkozy está se agarrando às suas metas de cortar os impostos, diminuir a burocracia do governo e conter os gastos.

É por isso que os franceses acreditam que as políticas de Sarkozy "não são coerentes, eficientes ou justas", diz Rozès. Os franceses sentem que os bancos estão sendo ajudados com poucos limites, enquanto o governo vem dando pouca ajuda às famílias comuns.

A oposição a Sarkozy deverá se concentrar na redução dos impostos para os ricos, o chamado escudo que limita o imposto de renda devido de um indivíduo a 50% da renda. Sindicatos e alguns membros do partido do presidente não querem isso. Sarkozy reage, reforçando sua imagem de amigo dos ricos.

Não está nem um pouco claro se a tensão social vai acabar resultando em um movimento político coerente capaz de paralisar o governo Sarkozy. "Ele não está numa espiral de queda", afirma Zaki Laidi, da Sciences Po, que aponta para a confusão entre os socialistas da oposição e diz que as críticas da população e dos sindicatos ao presidente são bastante difusas. "Não estamos na iminência de uma greve geral."

Mas outros observadores temem a possibilidade de tumultos. "O verdadeiro problema para qualquer um é saber como a opinião pública vai evoluir", diz Lévy. "Será que as pessoas vão acreditar que com a economia mundial em tamanha dificuldade elas precisam ficar calmas e razoáveis, além de trabalhar juntas para superar tudo isso? Ou será que vai levar as pessoas a atos desesperados? Minha sensação é de que não chegamos lá ainda, mas poderemos nos encontrar em uma situação com as sementes de um descontentamento muito profundo e uma espiral negativa que poderão levar a repetidas greves. Isso iria forçar o governo a desistir."

Fonte: Financial Times / Ben Hall, Financial Times, de Compiègne, França