Depois de arranjar a grana para salvar seus bancos, os espanhóis pagam juros mais elevados nos títulos de dívida do governo. Os mercados torcem o nariz para a forma adotada para o resgate: empréstimo de 100 bilhões de euros vai ser canalizado através de um fundo público e a economia da Ibéria escorrega para a recessão. Resultado: cresce a relação dívida/PIB, atiçando mais combustível à fogueira da desconfiança.

Na busca de uma solução a Espanha arrumou uma encrenca. Pior, a reticência dos mercados já espreita a Itália, também abalroada nos últimos dias pela subida dos rendimentos exigidos pelos investidores para adquirir os papéis do senhor Mario Monti.

Os gregos ameaçam a austeridade fracassada e cruel. Não é improvável a vitória dos inimigos da senhora Merkel nas eleições da próxima semana . Nas horas vagas, os helenos sacam a grana dos bancos locais e estocam comida. Assustados com o possível retorno do dracma e no afã de proteger o valor de suas reservas liquidas e de seu patrimônio, os investidores – cidadãos e empresas – retiram os depósitos e transferem para outras paragens as aplicações denominados na moeda única.

O alívio momentâneo proporcionado pela operação de resgate dos bancos espanhóis transmutou-se rapidamente na deterioração das expectativas. É difícil escolher o adágio que se aplica a tão dolorosa situação. Há quem prefira "a emenda é pior do que o soneto", outros, por certo, indicarão " o tiro saiu pela culatra".

Os meios de comunicação insistem em batizar o calvário da Eurolândia de "crise das dívidas soberanas". Não custa repetir aqui: essa qualificação é tão falsa quanto uma nota de 15 euros. Depois da introdução da moeda única, a competição entre os bancos alemães, franceses, suecos, austríacos, ingleses promoveu um caudaloso "movimento de capitais" que fluía do Centro para a Periferia da Europa. Eliminado o risco cambial pela adoção da mesma moeda por gregos e troianos, despencaram os spreads entre os títulos alemães e os custos incorridos na colocação de papéis públicos e privados dos países da chamada periferia. Não é preciso explicar ao leitor que a queda dos juros e a ampliação dos prazos deflagraram uma orgia de endividamento privado na Espanha, Irlanda, Portugal e quejandos… Esses países viveram a euforia das bolhas imobiliárias e as delícias do consumo das famílias "enriquecidas" com a valorização das casas.

Fecundada nas entranhas da desregulamentação e legitimada pelas patranhas acadêmicas dos mercados eficientes, a organização da finança contemporânea gerou uma bateria de incentivos perversos. No rol de suas proezas estão a alavancagem abusiva, a obsessão pelo volume, a concorrência sem peias e as remunerações generosas para os executivos e assemelhados.

A crise europeia é uma aula sobre a privatização dos ganhos e socialização das perdas. Diante do colapso dos preços dos ativos, os bancos centrais foram compelidos a tomar medidas de provimento de liquidez e de capitalização dos bancos encalacrados em créditos irrecuperáveis. Para curar a ressaca da bebedeira imobiliária, os governos engoliram o estoque de dívida privada e expeliram uma montanha de títulos públicos.

O truque de salvar os bancos e evitar a reestruturação das dívidas soberanas não vai dar certo. Vai, sim, prolongar a agonia de espanhóis, italianos, portugueses e irlandeses açoitados pela recessão em marcha forçada e pelo desemprego em alta. Em estado de perplexidade, o cidadão medianamente informado tem o direito de indagar se a recessão e o desemprego não vão jogar mais devedores sem renda e sem trabalho na lista vermelha dos inadimplentes, aumentando o percentual de ativos podres na carteira dos bancos. Ainda sobrou muito peixe podre debaixo do angu do endividamento privado.

A Diretora-Gerente do FMI, Cristine Lagarde concedeu três meses de prazo para a Europa arrumar a casa. O presidente francês François Hollande proclamou a necessidade de uma ação monetária e fiscal construída em torno dos objetivos comuns que inspiraram a formação da União Europeia. Os apelos e advertências morreram na rejeição peremptória da senhora Merkel ao programa de "coletivização" da dívida (a substituição dos títulos soberanos de cada país por um título garantido por todos os governos).

A recusa alemã nasce de uma convicção, pelo menos duvidosa: a Alemanha é a âncora do euro e não pode sancionar as imprudências dos gastadores. Com essa visão os alemães vão lançar a Eurolândia e provavelmente o planeta numa crise sem fim. Nada mais parecido com a marcha da insensatez.

Fonte: Luiz Gonzaga BelluzzoCarta Capital

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