A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apresentará na semana que vem ao G-20 um pacote de medidas para os governos evitarem que empresas multinacionais escapem de pagar impostos. “As multinacionais vão pagar impostos, como todo mundo”, afirmou o diretor-geral da OCDE, José Ángel Gurría, em entrevista ao Valor.

Atualmente, sistemas tributários furados permitem a evasão legal de bilhões de dólares. Estudo da OCDE mostra que ao longo do tempo certas multinacionais passaram a adotar artifícios contábeis e montagens complexas que lhes permitem escapar total ou parcialmente de taxações, localizando seus lucros onde o Fisco abocanha menos ou nada.

É o caso de gigantes da tecnologia como Apple, Google, Facebook, Amazon ou ainda a rede de café Starbucks, que praticamente não pagam, ou pagam muito pouco, imposto onde faturam bilhões de dólares por ano. Em recente estudo, a OCDE concluiu que 400 multinacionais pagam apenas entre 4% e 5% de impostos sobre os lucros, enquanto a taxa média nos países ricos é de 24%.

Na semana que vem, um plano de ação global será discutido pelos ministros das Finanças do G-20 (grupo das 20 maiores economias do mundo) em Moscou, para ser submetido em setembro aos chefes de Estado e de governo. Mas a negociação final de mudanças específicas nas regras internacionais vai demorar de um a dois anos, pelo menos, acreditam analistas.

Ángel Gurría anunciou também que logo virá a troca automática de informação entre os países, para combater de forma mais dura a evasão fiscal. Com isso, analistas dizem que os bancos serão obrigados a facilitar o acesso aos dados para os fiscos nacionais. Estima-se que cerca de US$ 1,6 trilhão escape a cada ano dos fiscos. Leia a seguir trechos da entrevista:

Valor: O plano global para fechar brechas fiscais usadas por multinacionais está pronto?

Gurría: Vamos apresentar proposta no G-20 em Moscou. As multinacionais não pagam imposto a ninguém. Veja, em outro tema, de combate a paraísos fiscais, o que estamos dizendo é que a lei precisa ser respeitada. Já no caso das multinacionais, o problema é que a lei permite a elas escapar de impostos.

Durante 70 anos, trabalhou-se para evitar dupla tributação sobre as empresas. Mas passamos da não dupla tributação para dupla não tributação. E isso é um desafio muito mais importante, porque tem que se mudar as leis, os códigos, e fazer de maneira coordenada. É preciso uma enorme cooperação internacional para se ter uma situação equivalente à que temos com as pessoas físicas, que não têm nenhuma jurisdição para evitar o imposto.

Valor: Que tipo de medida específica os países vão examinar?

Gurría: Estamos olhando umas 15 medidas, que têm muito a ver com transferência de preços entre multinacionais, localização da empresa etc. Um desafio muito grande é quando se fala se o imposto é na residência da empresa ou na operação da empresa. Mas, quando falamos de serviço de comunicação, informática, onde é a residência, a origem da propriedade intelectual, a faturação? Tudo muda.

Temos que ter critérios muito claros. Não é uma campanha contra as multinacionais. É para manter a segurança de não ter dupla imposição de impostos, mas também para evitar dupla evasão. É ter a justa participação das multinacionais [no pagamento de impostos].

Valor: E num momento difícil para os governos.

Gurría: Sim, a lógica política é outra, mudou a disposição das mesmas autoridades que protegeram essas empresas por décadas. E isso porque [os Tesouros nacionais] têm necessidade. Isso transforma a vontade política e ativa um instrumento, como já ativou no caso dos paraísos fiscais. Dez, doze anos de trabalho só resultaram em 40 acordos bilaterais de troca de informação [sobre pessoas que supostamente evadem impostos].

Uma vez discutido no G-20 e quatro anos depois, temos mil acordos de troca de informação, que vão migrar para um novo padrão automático, mais ambicioso, melhor, mais eficiente. Estamos avançando. Já assinaram a iniciativa todos os países que tinham de assinar, como os países do G-20, a Áustria, Cingapura, Luxemburgo. A Suíça já está convencida de que não tem alternativa e vai assinar. Diziam que isso não seria possível, e está sendo. Agora, no caso do imposto sobre multinacionais, será mais difícil, mais complicado, e precisamos de diálogo com elas.

Valor: Que tipo de cobrança será feita às multinacionais?

Gurría: Há questões de propriedade intelectual, de alta tecnologia, quais os grandes critérios como produzir uma base de imposto que não seja erodida, ou evitar que, mesmo com a base erodida, a empresa não translade a outro país e termine numa juridisção onde não paga nada. Em uma semana, vamos discutir tudo isso em Moscou. As múltis, como todas empresas e pessoas físicas de todo o mundo, têm que pagar impostos.

Valor: O que o G-20 vai abordar também em Moscou?

Gurría: O grupo vai falar muito de recuperação do crescimento, da questão da saída de afrouxamento monetário, comércio, impostos, de recuperar confiança nos governos, nas medidas adotadas.

Valor: Como o sr. vê o impacto da retirada de estímulos monetários, por exemplo nos EUA?

Gurría: Os mercados caíram [com o anúncio do Federal Reserve de que reduziria os estímulos]. Isso é louco, louco, louco. Afinal, estamos falando de volta à normalidade. A situação dos EUA não permite falar de maior normalidade. A Europa fala de manter os juros por um, dois anos muito baixos, porque não tem crescimento.

O Reino Unido também fala de manter os juros baixos no longo prazo. O que está fazendo o Japão? Política monetária flexível e política fiscal flexível, porque tem 15 anos com deflação. Agora, pode-se falar, sim, de normalização gradual. Sempre pedimos atenção com os fluxos de capital [para os emergentes] porque podem ser também viciantes.

Fonte: Valor Econômico / Assis Moreira

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