Uma das maiores desgraças do nosso tempo, volto a dizer, foi o crescimento exponencial, inteiramente desmesurado e enlouquecido da tenebrosa turma da bufunfa. A crise global é, em larga medida, o subproduto do inchamento de um sistema financeiro desregulado e irresponsável. O colapso da especulação nos EUA e na Europa arrastou a economia mundial para uma crise inédita desde a Segunda Guerra Mundial.

O leitor brasileiro talvez não saiba, mas aqui nos EUA, e também na Europa, a revolta da população contra a turma da bufunfa (e contra os governos que a protegem) está atingindo níveis nunca antes vistos. Um bufunfeiro de renome, daqueles bem fornidos, não pode se descuidar de jeito nenhum: se for visto perambulando pelas ruas, será caçado a pauladas como uma ratazana prenhe.

Mesmo bufunfeiros menos ilustres e menos notórios podem correr sérios riscos. Na reunião de cúpula do G20, em Londres, na semana passada, o ambiente estava carregadíssimo. Houve protestos, tumultos, manifestações de rua. Os organizadores do evento recomendaram que os participantes evitassem usar terno. O meu não saiu nem da mala.

Como bem notou um atento integrante da delegação brasileira, as mangas da minha camisa esporte estavam até poídas. Era só o que faltava, eu, crítico antigo e implacável dos bufunfeiros, pegar uma rebarba dessas.

Abro um rápido parêntese. O leitor não deve imaginar que eu esteja cultivando algum ressentimento pessoal contra a turma da bufunfa e o sistema financeiro.

Na minha própria família, há vários integrantes da referida turma. Uma vantagem de estar morando no exterior é não ter que aturar as platitudes bufunfeiras em reuniões familiares. Por outro lado, aqui no FMI, a turma da bufunfa também está bastante bem representada. Dá mais ou menos no mesmo.

Fecho o parêntese e retomo. Inicialmente, os estragos provocados pela especulação financeira concentraram-se nos países desenvolvidos.
Desde o final do ano passado, entretanto, a periferia emergente, inclusive o Brasil, vem sofrendo golpes violentos. A bufunfa está batendo em retirada, deixando os emergentes à míngua em termos de financiamento externo.

Os países mais atingidos são os que vinham acumulando desequilíbrios crescentes na ilusão de que o boom financeiro representava uma nova e feliz era de prosperidade.

Observando as políticas econômicas dos países que estão vindo bater à porta do FMI em busca de empréstimos de emergência, pode-se notar diversos problemas comuns: déficits elevados no balanço de pagamentos em conta corrente, sobrevalorização da moeda nacional, inflexibilidade cambial, liberalização dos movimentos de capitais, reservas internacionais relativamente baixas, dívidas de curto prazo, déficits fiscais, dependência de crédito externo e de bancos estrangeiros, dolarização dos depósitos e empréstimos internos. O FMI está apagando incêndio.

Ainda não houve oportunidade de fazer uma avaliação atualizada e minuciosa do perfil da nova clientela da instituição. Mas parece razoavelmente claro que os países que aqui chegam reúnem uma boa parte das características mencionadas.

O aspecto central, subjacente a muitos desses problemas, foi a decisão de diversos países, notadamente no Leste Europeu, de embarcar alegremente na canoa furada dos fluxos internacionais de capital. Confiaram demais na turma da bufunfa. E entraram por um cano deslumbrante.

*Paulo Nogueira Batista Jr., 54, é diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

Fonte: Folha de São Paulo