Nelson Motta é muita coisa na vida: jornalista, compositor, escritor, roteirista, produtor musical e letrista. Sempre esteve bem na e com a mídia e sempre gostou de se cercar de celebridades. Não me sinto apto a avaliar sua obra e seu trabalho vinculado à Música Popular Brasileira. Mas quando ele entra na seara do movimento sindical, sinto-me à vontade para debater e rebater, respeitando sempre o direito de quem quer que seja de expressar sua opinião sobre qualquer assunto.

Em seu artigo "Os bons companheiros", publicado no jornal O Globo no último dia 2 de janeiro, Motta generaliza ao insinuar que todo sindicalista é "esperto" (no sentido mais pejorativo da palavra), oportunista e não possui aptidão e nem talento profissional. Quem generaliza comete sempre uma injustiça. Assim como no jornalismo, na literatura, nas artes e na música há talentosos e medíocres. Na política e no movimento sindical não é diferente.

Motta foi injusto com os sindicalistas e, em seu exemplo citado, com os bancários. Ele condena ao estigma da mediocridade todo o trabalhador que passa a atuar no movimento sindical. Em sua avaliação insípida, ele acredita que qualquer pessoa que transcende a lógica mercadológica do capitalismo que propaga o egoísmo, o individualismo e a competição desenfreada e luta por sua categoria através da solidariedade e da busca do bem-estar coletivo perde ou nunca teve talento.

De fato, atuar no movimento sindical tem um alto preço pessoal e pode custar todo um futuro profissional, mas não por falta de dedicação, interesse ou competência do trabalhador que torna-se sindicalista. Na prática, os patrões nunca perdoam o funcionário que passa a ter consciência de classe e luta coletivamente pelos direitos de sua categoria. Os sindicalistas, quando retornam à empresa, são perseguidos e tratados como uma ameaça aos interesses econômicos da empresa e acabam demitidos. É óbvio que sem a estabilidade, o empregador demitiria no primeiro dia os empregados sindicalistas. Um a um, os sindicalistas seriam demitidos e não haveria mais sindicatos. Este é o sonho neoliberal dos capitalistas e, ao que parece, do Nelson Motta. É compreensível. Afinal, Motta sempre precisou do patrocínios dos bancos para seus shows, produções e festas.

Ao contrário do que ele diz, são os banqueiros que parecem odiar os bancários e pouco se importar com a sociedade, o Brasil e o mundo. Afinal, a crise financeira que levou a derrocada o país e o modelo de sociedade idolatrado por Motta, os EUA, é fruto da ganância e da ciranda especulativa promovida por banqueiros e empresários que não têm limites para acumular mais riqueza, mesmo que o preço para isso seja milhares de trabalhadores demitidos, pessoas sem teto e mais miséria e desigualdade no mundo. Até dezembro do ano passado, pelo menos meio milhão de pessoas perdeu o emprego em função da jogatina capitalista.

Quanto à política em seu sentido clássico, é natural que um sindicalista tenha o direito de se candidatar a um cargo público ou receba um convite para trabalhar num ministério, secretaria ou estatal. O Malan ocupou o Ministério da Fazenda e ao sair do governo ganhou um cargo num grande banco. Henrique Meirelles foi executivo de um banco estrangeiro e hoje é diretor do Banco Central. Da mesma forma poderia acontecer com um jornalista, um pedreiro, um metalúrgico, um trabalhador sindicalista.

Tamanha aversão e preconceito contra os sindicalistas tem outra explicação: tucano roxo, Nelson Motta (assim como seus colegas do programa Manhattan Conection) não engole a eleição de um operário e sindicalista para presidente do Brasil e o fato de Lula ter o reconhecimento internacional e o apoio popular que seu amigo, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, ambicionou mas não conseguiu conquistar.

Esta inquietação e incômodo com a presença de trabalhadores e sindicalistas no poder demonstrada por Nelson Motta lembram uma das justificativas dos militares para o golpe de 1964: a de que o Brasil estaria construindo uma "República Sindical". Ao citar a ditadura militar, não posso deixar de lembrar de tantos companheiros e companheiras do movimento sindical, que, na luta em defesa da democracia, foram presos, torturados, exilados e assassinados. Um desses sindicalistas, o bancário Aloisio Palhano, torturado e assassinado pelo Doi-Codi e cujo corpo jamais foi encontrado, é uma dessas personalidades cuja memória tratamos sempre de resgatar para a nossa categoria. O Sindicato dos Bancários do Rio foi invadido e tomado pelas forças armadas. Passamos vinte anos lutando pela redemocratização do país, assim como continuamos a lutar por uma sociedade mais justa.

Quanto à atuação política de Nelson Motta durante a ditadura militar eu me desculpo por desconhecer completamente, a não ser por sua imagem nos anos 70 e 80 na TV Globo, uma empresa que construiu um império da mídia com as benesses da ditadura em troca de apoio ao regime autoritário dado através do noticiário parcial e governista e da agenda cultural alienante da emissora.

Além do mais, o jornalista Nelson Motta deveria lembrar de seus colegas de categoria que trilharam ou trilham o movimento sindical. Afinal, as férias remuneradas, o décimo terceiro salário, a jornada de trabalho e todos os direitos trabalhistas garantidos em sua carteira de trabalho só foram possíveis graças à mobilização dos trabalhadores junto aos sindicatos, entidades que Nelson Motta parece tanto odiar. Talvez porque ele nunca dependesse de seu salário para sobreviver e sustentar a si e a sua família.

Artigo de Vinicius de Assumpção, presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro

Fonte: Seeb RJ