As fundações enfrentaram em 2008 o período mais crítico do seu histórico recente, em termos de rentabilidade financeira. Os números consolidados ainda não estão fechados, mas dados preliminares da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) indicam que, em outubro, o acumulado da rentabilidade estava negativo em 3%, puxado pelo forte impacto da crise nos investimentos em renda variável.

Como outubro foi o pior mês do ano para os mercados e não houve recuperação significativa nos dois meses seguintes, o ano deve ser o pior, em termos de ganhos, pelo menos no período pós-Plano Real.

Depois de cinco anos dourados, com ganhos bem acima da meta, muitas fundações devem fechar 2008 com uma variação negativa. "Devemos ter uma rentabilidade negativa no ano passado. Pequena, mas negativa. Já tivemos anos abaixo das metas, mas não conheço na história dos fundos de pensão um ano com rentabilidade nominal negativa", afirma Antônio Jorge Vasconcelos da Cruz, coordenador da Comissão de Investimentos da Abrapp.

O último dado oficial, de setembro, ainda apontava retorno positivo na casa de 1%, com ativos em R$ 434 bilhões, frente a uma meta atuarial de 9,95%. "Houve um recuou na carteira. Não é perda, porque perda é quando vende", diz Cruz, que também é dirigente do fundo da Andima (Previma).

Como os anos anteriores foram muito positivos, os fundos possuíam um superávit acumulado de R$ 76 bilhões até 2007. Desse total, deve sobrar cerca de R$ 15 bilhões no fim de 2008. Além do recuo das ações, que representam cerca de 30% do patrimônio, os fundos também sentiram abalos na renda fixa e com a pressão inflacionária.

Na visão dos dirigentes dos planos o pior já passou, mas nem por isso 2009 será fácil. Eles acreditam que bater as metas atuariais será factível, mas demandará muito suor. "Estamos entrando numa nova era, menos eufórica e que vai demandar muito esforço para atingir bons resultados", observa Luís Carlos Afonso, diretor de investimentos da Petros, fundo dos funcionários da Petrobras.

Para o diretor de investimentos da Previ, Fábio Moser, "a expectativa é ainda de muitas incertezas, principalmente nos primeiros meses, o que deve gerar instabilidade nos mercados".

As entidades já começam a buscar opções para repor parte das perdas, seja pela garimpagem de papéis baratos na bolsa, seja pela perspectiva de aumento da demanda pelo crédito corporativo, depois da escassez de empréstimos do fim do ano passado.

Entre as estratégias da Previ estão também investimentos em fundos de participações (private equity, em inglês) e renda fixa alongada, além da organização da carteira de participações. "Resolvemos a Brasil Telecom e vamos nos dedicar a concluir alguns processos de reestruturação que estão em curso", afirma Moser, que ganhou mais tempo para se adequar ao limite de 50% para a renda variável.

A Previ é o fundo que mais investe em ações, o que deve ter impacto significativo no resultado de 2008, embora parte da carteira seja de participações em bloco de controle, que não sofrem com flutuações de mercado. Os dados não estão fechados e até novembro, o percentual estava negativo em cerca de 10%. A expectativa é que o ano feche próximo disso. Em 24 meses encerrados em novembro, o acumulado de ganhos ainda era de 28,8% e ainda há bom há saldo positivo do superávit acumulado.

Já a Fundação Real Grandeza, de Furnas, quer continuar sua estratégia mais conservadora, de aplicação em títulos públicos de longo prazo. O presidente da entidade, Sérgio Wilson Fontes, disse que a crise permitiu que o fundo voltasse a comprar esses papéis, estratégia que adota desde meados de 2005. "Os juros reais embutidos nas NTN-Bs tinham baixado muito e chegaram a ser de 5,9%. Com a crise, conseguimos comprar esses papéis com juro real de 8,2%", destaca Fontes. Se a projeção da entidade se confirmar, de Selic a 11,75% no fim do ano, "podemos bater a meta com a renda fixa", diz ele.

Na Valia, fundo de pensão da Vale, a previsão do diretor de investimentos Maurício Wanderley é a de que o fundo feche 2008 com cerca de 2%. "Foi um ano muito difícil para todo mundo, mas por outro lado, a rentabilidade média anual de 2000 a 2007 era de 22%", diz ele, ponderando que o saldo ainda está em terreno bastante positivo.

A Petros não tem ainda projeção para o ano fechado, mas ainda trabalha com a expectativa de fechar 2008 com percentual levemente positivo, embora distante da meta.

Demósthenes Marques, diretor de investimentos da Funcef, da Caixa Econômica Federal, está com a expectativa de fechar o ano de 2008 com resultado levemente positivo. "Pelo tamanho da crise mundial acho que o resultado foi interessante. Triplicamos o patrimônio entre 2003 e 2007 e no ano passado conseguimos fazer a defesa desse patrimônio". Segundo ele, isso mostra que num período favorável, a carteira foi agressiva o suficiente para ter uma rentabilidade muito acima da meta (180% acumulado nesses cinco anos, contra meta de 78%), e ao mesmo tempo, defensiva para não apresentar perdas num ano de crise.

Apesar do recuo, as fundações comemoram a solidez do sistema que, diferentemente de outros países, não enfrentou problemas de liquidez, para o pagamento de benefícios. Isso se deve em parte a posição conservadora das entidades, que não possuem alavancagem, nem exposição a derivativos.

No caso das entidades ligadas a empresas privadas, o tombo foi um pouco menor, por conta de uma menor exposição à renda variável, mas o ano foi igualmente difícil, conta Paulo Tolentino, presidente da Associação dos Fundos de Pensão de Empresas Privadas (Apep). "As oscilações aconteceram na ações, que não é o grande mercado onde os fundos estão alocados (entre 10% e 15% do patrimônio)".

A Fundação Cesp, maior entidade ligada ao setor privado, deve fechar o ano com rentabilidade em torno de 10%. "Antecipamos alguma coisa ao reduzirmos nossa participação em renda variável entre outubro de 2007 e junho de 2008. Vendemos R$ 1 bilhão, cerca de 40% do total quando a bolsa estava com preço médio de 61 mil pontos. Ainda assim, não foi suficiente para bater a meta", conta Martin Glogowsky, presidente do fundo.

Fonte: Valor Econômico / Catherine Vieira e Fernando Travaglini