O Bradesco fez as contas e, para se adequar ao novo acordo de Basileia 3, o segundo maior banco privado do país precisaria acrescentar R$ 1,5 bilhão ao seu patrimônio de referência, o capital mínimo utilizado para dar suporte à sua operação. A estimativa, feita por Domingos Figueiredo de Abreu, vice-presidente executivo do banco, toma por base um cenário que ele considera pessimista.

Nesse contexto, os ativos "intangíveis", de difícil mensuração – como direito de explorar folhas de pagamento de servidores públicos, por exemplo, além dos vultosos créditos tributários – seriam subtraídos do patrimônio de referência exatamente como foi proposto pelo Comitê de Supervisão de Basileia, sem qualquer adaptação às peculiaridades do mercado brasileiro.

Além disso, Abreu assume, em suas contas, que todos os novos requerimentos seriam implementados de uma só vez, hoje. Mas o acordo prevê que as novas regras serão implementadas de forma escalonada, de 2013 a 2019.

Um estudo da Itaú Corretora conclui que Banco do Brasile Santander serão os mais afetados pelo novo acordo (ver reportagem nesta página). Como alguns detalhes para o cálculo do índice que mede a relação entre o capital e o risco das operações dos bancos ainda precisam ser definidos, BB e Santander preferiram não falar em cifras. O Itaúnão atendeu à reportagem.

"Lá na frente, quando tivermos de aplicar as regras, vamos saber quais serão as exigências. Para quê sofrer por antecipação", questiona Paulo Roberto Evangelista de Lima, diretor da área de gestão de risco do BB. "Temos vários mecanismos para suportar a expansão do crédito, até uma nova oferta de ações", minimiza.

No exercício feito pelo Bradesco, faltaria ao banco 0,5 ponto percentual para chegar ao índice mínimo de Basileia de 10,5% previsto pelo novo acordo – quantia que Abreu estimou ser de R$ 1,5 bilhão. A exigência no Brasil, hoje, é de 11%. Mas, apesar de o patamar brasileiro atual ser superior, as mudanças em relação àquilo que será (ou não) considerado patrimônio de referência pelas novas regras explicam, em grande parte, essa diferença. "Muda o passivo, não o ativo", sintetiza Abreu.

As alterações envolvendo a qualidade do capital dos bancos dizem respeito, principalmente, a investimentos em seguradoras e créditos tributários. Ambos os itens serão retirados, parcial ou totalmente, do cálculo do que seria o patrimônio de referência.

Créditos tributários decorrentes de prejuízos fiscais, por exemplo, deverão ser totalmente deduzidos. Já créditos tributários decorrentes de diferenças temporais, resultantes de provisionamentos feitos para devedores, só contarão para compor o capital de nível 1, de alta qualidade, até o limite de 10% (desse capital). Esse mesmo critério deverá ser utilizada para a contabilização do patrimônio da seguradora.

O saldo de créditos tributários decorrentes de diferenças temporais no Bradesco somava, em setembro de 2010, R$ 16,06 bilhões, enquanto o estoque total de créditos tributários alcançava R$ 17,19 bilhões.

De acordo com as notas explicativas do balanço do Bradesco, a proporção dos créditos tributários líquidos sobre o patrimônio de referência total representava 21,7%.

Se considerado o índice de Basileia com o qual o Bradesco encerrou o exercício do terceiro trimestre de 2010, de 15,7% (13,5% capital de nível 1 e 2,3% capital de nível 2 (esse é composto também por instrumentos híbridos de captação, como dívida subordinada), é plausível inferir que, com as novas regras, o banco vai sofrer ajustes consideráveis na composição de seu capital.

Estão sendo estudados, porém, meios de contornar a necessidade de mais capital. Reduzir a distribuição de dividendos e de gratificação para funcionários para reter lucro é uma opção já ventilada por analistas e agentes do mercado.

No caso específico da Bradesco Seguros, uma possibilidade cogitada seria o remanejamento de seu patrimônio para o banco. Hoje, o grupo segurador tem R$ 12 bilhões de capital. "Bastaria apenas uma assinatura", diz Abreu, referindo-se ao aval de Lázaro de Mello Brandão, presidente do conselho de administração do Bradesco. "Mas isso não nos preocupa, temos excesso de capital na seguradora", minimiza.

Vale lembrar que o cálculo feito pelo vice-presidente do Bradesco leva em consideração a implementação de todas as novas regras de uma única vez. "Se for ao longo desse tempo [2013 a 2019], o lucro do banco cobriria a necessidade de capital extra", ressalva Abreu. "O escalonamento, sem dúvida, dá mais tranquilidade."

Por outro lado, as contas de Abreu não incluem o chamado colchão contracíclico, também previsto por Basileia 3, que pode variar de 0% a 2,5% dos ativos ponderados pelo risco, elevando o índice mínimo de capital total de 10,5% para até 13% dos ativos.

A exigência tende a ser mais rigorosa em tempos de bonança – justamente o período pelo qual o sistema brasileiro de crédito passa, atualmente. A ideia é que os bancos tenham proteção adicional para suportar momentos de estresse.

No limite, uma revisão das provisões adicionais para devedores resolveria, segundo Abreu, a exigência de mais capital. Pelas normas brasileiras, as provisões para créditos de liquidação duvidosa não são dedutíveis fiscalmente, gerando os tais créditos tributários.

O banco paga imposto de renda, reduz o lucro e, de quebra, consome Basileia, já que esses créditos têm peso de 100% na ponderação pelo risco. Para piorar, nas últimas publicações de 2010 sobre Basileia 3, o Bank for International Settlements (BIS) aumentou o fator de ponderação para 250%. Ou seja, será exigido 2,5 vezes o capital dos bancos exigido hoje em relação ao volume de créditos tributários que o banco carrega no balanço.

Só que direcionar provisões adicionais para o patrimônio líquido foi um expediente permitido pelo BC durante o auge da crise financeira e revogado em dezembro de 2009. Resta saber se a autoridade monetária vai abrir novamente essa possibilidade de flexibilização.

A instituições financeiras, por meio de representantes do setor, como a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), estão discutindo essa e outras alternativas com o regulador do mercado.

Da mesma forma que os novos requerimentos de capital deverão ter um prazo progressivo para ser implementados, os bancos também vão esperar até 2014 para começar a aplicar o cronograma de deduções de créditos tributários e outros ativos considerados intangíveis.

Fonte: Valor Econômico / Aline Lima

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