A secretaria de políticas para mulheres (SPM) divulgou ontem, 14 de julho, uma nota sobre os recentes casos de violência veiculados pela mídia no qual tiveram repercussão nacional, destacando a Lei Maria da Penha (11.340/06). Acompanhe abaixo na íntegra:

A SPM lamenta que, às vésperas da Lei Maria da Penha completar quatro anos de existência, o Brasil esteja presenciando casos de tamanha crueldade e violência como o de Eliza Samudio e Mércia Nakashima. Também é triste constatar a não aplicação desta Lei por parte de seus operadores, uma vez que foi criada especificamente para proteger as mulheres vítimas da violência doméstica.

No caso específico de Eliza Samudio, o 3º Juizado de Violência Doméstica do RJ negou o pedido de proteção a Eliza em outubro de 2009, por considerar que a jovem não mantinha relações afetivas com o goleiro Bruno Fernandes. Na ocasião, a Delegacia de Atendimento à Mulher de Jacarepaguá (DEAM) pediu à Justiça que o atleta fosse mantido longe da vitima, já que Bruno cometeu os crimes de agressão, e de cárcere privado, alem de ter dado substâncias abortivas.

A juíza ti tular do 3º Juizado, Ana Paula Delduque Migueis Laviola de Freitas, explicou em sua decisão que Eliza não poderia se beneficiar das medidas protetivas, nem "tentar punir o agressor", sob pena de banalizar a Lei Maria da Penha. A magistrada entendeu que a finalidade da legislação é proteger a família, seja proveniente de união estável ou de casamento e não de uma relação puramente de caráter eventual e sexual.

O artigo 5°, inciso III da Lei Maria da Penha caracteriza como violência doméstica "qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente de coabitação". A legislação não estipula o tempo da relação, porque a violência doméstica e familiar contra a mulher se configura por meio de qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, além de dano moral ou patrimonial. Qualquer relacionamento amoroso, portanto, pode terminar em processo judicial com aplicação da Lei Maria da Penha, se envolver violência doméstica e familiar contra a mulher e violar os direitos humanos.

Neste episódio, Eliza procurou proteção do Estado porque sofreu ameaças, lesões, cárcere privado e indução ao aborto. Apesar de sua integridade física e a da criança estar em perigo, seu apelo não foi atendido.

Para a Secretaria de Políticas para Mulheres, a alegação de que Eliza não precisava de proteção do Estado porque era apenas uma "amante" ou "ficante", remete aos padrões antigos de preconceito contra as mulheres. Além disso, questiona a honestidade da vítima, que declarou que a relação não foi apenas de uma noite. O casal se encontrava com freqüência e se falava por telefone. No entanto, após saber que Eliza estava grávida e que ele era o pai da criança, o goleiro terminou o relacionamento.

Não bastarão leis para proteger as mulheres se as suas vozes não forem ouvidas e se houver omissão do Estado. A omissão e desídia dos agentes são defeitos que maculam a atividade pública. O Estado tem de ser responsabilizado pelas suas ações, para evitar que mais mulheres sejam brutalmente assassinadas após buscar amparo e proteção legal. Este não é o primeiro caso – recordemos o caso Maria Islaine, Mércia, e outras tantas Marias e Eloás do nosso País.

Fonte: Portal SEPM

 
Abaixo, o cordel da doutoranda Salete Maia sobre o caso Eliza Samudio e o machismo total:
 
*O CASO ‘ELIZA SAMUDIO E O MACHISMO TOTAL

O caso Eliza Samudio
Que tem chocado o Brasil
Emerge como prelúdio
De um grande desafio:

*Exortar nossa Justiça*
*Pra deixar de ser omissa*
*Ante o machismo tão vil!*

Trata-se de um momento
De grande reflexão
Pois não basta só lamento
Ou alguma oração

*É hora de provocar*
*Propondo um outro olhar*
*Sobre processo e ação*

Saiu na televisão
Rádio, internet e jornal
Notícia em primeira mão

Toda manchete é igual:
Ex-amante de goleiro
(Aquele cheio de dinheiro!)
Sumiu sem deixar sinal

Muita especulação
– discurso de autoridade-
Uns dizem que é armação
Outros dizem que é verdade

 
Polícia e delegacia
Justiça e promotoria:
Fogueira de vaidades!

Mei-mundo de advogados
Investigação global
Cada um no seu quadrado

Falando em todo canal
*Subjacente a tudo*
*Um peixe muito graúdo:*
*Androcentrismo total!*

A mídia fala em Bruno
Eliza e gravidez
Flamengo, orgia e fumo

-esta é a bola da vez!-
Tem muito ‘especialista’
Em busca de alguma pista
Pra ser o herói do mês

*E a história se repetindo*
*Mudando apenas o nome*
*Outra mulher sucumbindo*
*Sob ameaça dum homem*

*Uma vida abreviada*
*Cuja morte anunciada*
*A estatística consome*

Assim é a violência
Lançada sobre a mulher
Ela pede providência
E cara faz o que quer

Mas a Justiça, que é lerda,
Machista, ‘fazendo merda’
Vem com papo de mané

E oito meses depois
Da ‘denúncia’ inicial
Que é o feijão com arroz
Do distinto tribunal

Nadica de nada existe
Mas autoridade insiste
Que isto, sim, é normal:

“A culpa é do Instituto
Que não mandou o exame”
– isto soa como insulto
e daqueles mais infame-

 
Não era caso de urgência?
-tenha santa paciência!-
Para que serve um ditame?

A moça buscou amparo
Na Justiça do país
Agiu correto, é claro
E esperou do juiz

O tal reconhecimento
Sobre o pai do seu rebento
Tendo a vida por um triz

Também fez comunicado
Ao campo policial
Dizendo que o namorado
Praticou crimes e tal

*Buscou as vias legais*
*Enfrentou feras reais*
*Terá sido este o seu mal?*

Mesmo com a delegacia
Dita especializada
E com toda a apologia
De uma Lei avançada

*Faltou ter a ruptura*
*Com aquela velha cultura*
*De que a mulher é culpada*

E o cumprimento legal
No caso, muito importante
Seria mais um arsenal
Para enfrentar o gigante

*Mudar a mentalidade*
*De nossas autoridades*
*É fator preponderante*

E para que isto ocorra
Entre outra alternativa
Antes que mais uma morra
E o caso fique à deriva

*É preciso compreender*
*Que Justiça é pra fazer*
*Enquanto a mulher tá viva!*

Sei que nada justifica
Que haja tanta demora
E enquanto o caso complica
A vítima ‘já foi embora’

*Sem medida protetiva!*
*Sequer prisão preventiva!*
*Quanto inoperância aflora!*

Se o exame era necessário
À elucidação do crime
O Estado-perdulário
Neste campo fez regime

Ficando no empurra empurra
No velho: ”mulher é burra,
e joga no outro time”

Todo crime tem problemas
De toda diversidade
Assim como há esquemas
Também há dificuldades

Mas pra mim é evidente
Que o machismo presente
Premia a impunidade

Machismo compartilhado
Por gente de toda cor
Do goleiro ao empregado
Do primo ao executor

Autoridades também
Implicitamente têm
Um machismo inspirador

Cada ‘doutor’ se expressa
Centrado no garanhão
É o mote da conversa:
Fama, grana e traição

Ao se referir a ela
Falam da menina bela
Que fez filme de tesão

Falta a compreensão
Da questão relacional
Gênero, classe, profissão
Cor e status social

O processo é narrativa
Que emerge da saliva
Falocêntrica-legal

E ainda que alguns digam
“Oh, Eliza, coitadinha”
E suas doutrinas sigam

Desvendando pegadinhas
*A escola dogmática*
*Do direito-matemática*
*Perpetua ladainhas*

*Processo judicial*
*Só serve para punir?*
*Havia tanto sinal…*
*Não dava pra prevenir?*

*E a tal ação civil?*
*Alimentos deferiu?*
*Para o bebê consumir?*

É um momento de dor
Para a família dos dois
O caso é multifator
Não basta dar nome aos bois

*A lógica policial*
*Cartesiana e formal*
*Festeja tudo depois*

*Por isso se faz urgente*
*Conjugar gênero e direito*
*Pois um trabalho decente*
*Que surta algum efeito*

*Não se limita a julgar*
*Mas também a estudar *
*O cerne do preconceito*

*Homens que matam mulheres*
*Em relações de poder*
*Isto tem se dado em série*
*Mas é preciso entender*

*Que subjaz ao evento*
*Um histórico comportamento*
*Que vai construindo o ser*

*A nossa sociedade*
*Apesar da evolução*
*Reproduz iniquidade*
*E também muita opressão*

*Homem que bate em mulher*
*- E “ninguém mete a colher” -*
*Sempre foi uma ‘lição’*

*Aprendida por goleiros*
*Delegados, professores*
*Motoristas, marceneiros*
*Pedreiros e promotores*

*Garçons e malabaristas*
*Médicos e taxistas*
*Juízes e adestradores*

Por isto em nossos dias
De conquistas sociais
De novas filosofias
Direitos especiais

*Não podemos aceitar*
*Justiça só pra apurar*
*Crimes tão excepcionais*

Que a Justiça também
Sirva para (se) educar
Chega deste nhém-nhém-nhém
Deste eterno blá-blá-blá

*A Lei Maria da Penha*
*Existe pra que não tenha*
*Tanta morte a lamentar!!!*

*Salete Maria *
www.cordelirando.blogspot.com

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